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Foto do escritorHeron Rosa

Beleza Americana: análise

A vida cotidiana de uma família comum dos EUA é transformada pela chegada de vizinhos novos. Esse é o enredo do filme Beleza Americana (American Beuty), um drama de grande sucesso no fechamento do século XX, ganhador de cinco Oscars. Na película fica explícito os afetos que envolvem relações familiares, economia das pulsões libidinais, estruturas de personalidades, gozo, desejo, culpa, submissão, mecanismos de defesa, patologias psiquícas, o social.


mulher loira, caucasiana, deitada em pétalas de rosas vermelhas
Angela Hayes na fantasia de Lester Burnham

Lester Burnham é um marido depressivo não tanto alienado das questões familiares, mas que passa a ter maior clareza da sua condição num encontro com Rick Fitts, um jovem de 18 anos, filho dos novos vizinhos que chegaram ao bairro. Rick é central na história, pois é o personagem que apresenta o buraco existencial que envolve a família Burnham, visto que possui uma capacidade de decisão,  de bancar-se e de profunda reflexão sobre a vida. É em Rick que Lester enxerga o seu próprio vazio existencial e ganha recursos para uma virada na sua situação dentro do complexo familiar. Passivo na relação com a mulher, ausente na vida e nas questões da filha Jane e cansado da mesmice do cotidiano profissional, Lester passa a viver de forma diferente, quando identificado com o jovem Rick: volta a fazer uso de maconha como era na juventude, a desejar garotas novas, fortalecer os músculos e não se importar com a perda do emprego. A partir de então, sua vida passa a ganhar energia, e Lester sai do gozo, da repetição, para a separação metonímica: troca o american way of life por american beauty. Entre acertos e tropeços, passa a ver beleza na vida pelos olhos de Rick, que enxerga beleza onde não há, tamanha sensibilidade sobre o caos que é vivido na maior parte das famílias de classe média norte-americana.


Rick é um jovem consciente de sua condição infamiliar (unheimliche), inserido numa família com complexidades patológicas. Seu pai, Colonel Fitts, é um fuzileiro naval da reserva, rígido, violento e neurótico obsessivo. Utiliza-se de formação reativa como um evidente mecanismo de defesa do ego, sempre que confrontado com a homossexualidade. Acredita na correção, na disciplina e na estruturação como organização da vida. Rick confessa à namorada Jane que já teve vontade de matar um colega de turma. Essa confissão demonstra um notório deslocamento da repressão sofrida por inúmeros episódios de violência doméstica, visto que é impedido do desejo de matar o pai pelo interdito do parricídio. Sua mãe, Bárbara Fitts, é psiquiátrica, e parece sofrer de transtorno mental como esquizofrenia e depressão aguda. Bárbara aparece de forma bastante coadjuvante na história.


O jovem Rick passa a ganhar o coração de Jane, filha única de Lester. Em pouco tempo passam a namorar. A relação dos dois começa a causar inveja à melhor amiga  de Jane, Angela Hayes, cuja postura narcísica, insegura de baixa autoestima, impelia-a a colocar-se à frente de todas as outras garotas da escola como uma jovem experiente em sexo. Por ser uma jovem muito bonita, Ângela cativa o interesse de Lester, pai de Jane, excitando pulsões libidinais e desejo de possuí-la sexualmente. Ângela responde ao mesmo interesse, visto que não tinha experiência alguma, apenas desejava ser desejada, deixar de ser uma pessoa comum e ter sua primeira experiência sexual. 


A primeira vez que Lester enxerga Ângela, passa a fantasiar uma experiência onde a jovem esteja nua, desejante e flertante. Na fantasia, porém inconscientemente, surgem pétalas de rosas vermelhas que afloram de qualquer lugar e a cobrem. Essa imagem inconsciente não é, a priori, elaborada por Lester. Não lhe passa, num primeiro momento, que as rosas vermelhas são representações do amor que ainda conserva por sua esposa Carolyn. É em Carolyn que as rosas vermelhas ganham sentido, face a sua dedicação em cultivar rosas vermelhas no jardim de sua casa.


Carolyn, a esposa de Lester e mãe de Jane, desenvolve uma subjetividade que traduz o mais-de-gozar, onde a pulsão pelo consumo ganha valor no lugar onde as expressões do  capitalismo são alargadas. Carolyn quer ter uma carreira bem sucedida no ramo da corretagem de imóveis e deseja alcançar a mesma popularidade e sucesso do concorrente cujo jargão chama-se por “o rei dos imóveis”. Essa admiração a conduz ao adultério com “o rei dos imóveis”. Na vida familiar, Carolyn aparentava segura e confiante para a filha e marido, embora seu verdadeiro self estava arruinado pelo insucesso nas vendas de imóveis. A posição de liderança de Carolyn no sistema familiar acabava por rebaixar o marido, que a tinha como bem sucedida e no dever de governabilidade da família. Carolyn, diferentemente de Lester, era alienada quanto ao complexo familiar: os afetos da filha Jane e  a posição rebaixada do marido em relação à ela.


Colonel Flits passa a interpretar erroneamente a orientação sexual do seu filho Rick ao perceber uma aproximação com Lester. Essa aproximação dava-se apenas pelo interesse de Lester no uso de maconha. A certeza equivocada de que o filho era homossexual, transforma-se em uma permissão para dar vazão a pulsões reprimidas, e Colonel Flits aproxima-se de Lester para lhe beijar. Lester o afasta fazendo entender que há um equívoco quanto aos pensamentos intrusivos.  Amarguradamente, Flits mata Lester, protegendo o ego e a reputação de uma carreira militar.


Nós, enquanto sujeitos sociais, tendemos a viver de acordo com o nosso falso self, escondendo de todos as nossas sombras. Eis a proposta do filme Beleza Americana: escancarar a hipocrisia de nossos relacionamentos. Vivemos as angústias pertinentes ao existir, padecemos de comportamentos inaceitáveis socialmente e de pensamentos neurotizantes. Mas nem tudo está perdido.


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