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Foto do escritorHeron Rosa

"Freud além da alma": ensaios, conceitos e comentários.

Atualizado: 3 de jul.


Um dos primeiros filmes apresentados ao psicólogo em formação é a película Freud Além da Alma (1962), dirigida por John Huston (1). Trata-se de uma obra ficcional, um romance adaptado da biografia do médico neurologista Sigmund Freud (2). Embora não faça uso de cenas frenéticas em cores e movimento, o filme convida o espectador a uma imersão na história da psicanálise desde seus primórdios, capturando a atenção de quem assiste.

É marcante o clima de suspense que atravessa o filme do início ao fim, mas a tônica do filme é a descoberta da psicanálise: sobretudo a proposta da sexualidade infantil e o complexo de Édipo (desejo de incesto). Essas questões percorrerão três principais casos que Freud se depara ao penetrar o universo escuro do inconsciente: o caso de Cécily, o caso do filho do general e o seu próprio inconsciente; Não se pode descartar que a gênese da psicanálise foi possível por uma impetuosa curiosidade e determinada insistência de Freud em provar que os métodos utilizados pela ciência da época não explicavam e não alcançavam as causas para os sintomas de histeria, principalmente em mulheres: paralisias de membros, cegueira, alteração transitória da consciência, perda de memória, convulsões. A universidade e o hospital ligado à academia já não se debruçavam sobre pacientes acometidos por neurose histérica, em face da própria limitação da ciência – visto que a medicina era “quase que inteiramente assentada em bases biológicas, muito pouco interessada na psicologia […], sendo que a nascente psiquiatria não passava de um ramo da neurologia” (3) – além dos preconceitos existentes à época, em vista de um ainda incipiente atendimento humanista.

O neurologista Charcot, era o grande nome que empregava técnicas de hipnose para fins científicos, sendo que chegou aos ouvidos de Freud a notícia de que Charcot tratava seus pacientes histéricos através da hipnose. Uma das cenas do filme trata justamente da viagem de Freud à Paris para ver de perto os métodos utilizados por Charcot em tratamentos de histeria. Enquanto Freud se preparava na Estação de trem para embarcar à Paris, eis que deixa cair no chão o seu relógio de bolso. Outro passageiro que aguardava na estação abaixa-se e junta o relógio quebrado do chão entregando à Freud. Essa cena, à primeira vista, parece não ter significado, no entanto, não sem pretensão, sugere o que mais tarde Sigmund Freud haveria de abandonar: o instrumento mais comum do método catártico de sugestão. Seria isso uma psicologia metafísica, pergunta-se, ou apenas um fenômeno simbólico empregado na história do curioso médico neurologista como um prenúncio de quem se tornaria o pai da psicanálise.

De volta à Viena, foi através de Cecily (4), paciente acometida de histeria, do médico e professor Breuer, amigo de Freud, que este pôde conduzir o tratamento aprendido com Charcot, inicialmente com hipnose e mais tarde com associações livres, abandonando o uso da hipnose. O sintoma de cegueira de Cecily foi possível curar ainda pelo sugestionamento da paciente, fazendo-a retornar ao fato de quando iniciou sua falta de visão. A insistência do jovem médico, e a permanência da dúvida de fatos que não faziam menor sentido, direcionou o tratamento hipnótico para o resgate da memória e a veracidade das ocorrências que causaram o trauma. Cecily, que era apaixonada por seu pai e odiava a mãe por separá-la do pai nos momentos de afetos, conseguiu resgatar a memória quando do falecimento de seu pai – situação que ocorreu num bordel da cidade em meio à prostituição e luxúria. Nas palavras de Cecily, mataram o seu pai de amores e luxúria. Ao despertar do transe direcionado por Freud, a visão de Cecily retorna e assim inicia a cura para um dos sintomas de histeria da paciente. Em continuação ao tratamento, Freud decide abandonar o método catártico e passa a conduzir o tratamento da paciente por meio de associação livre da linguagem. Dessa vez, Cecily se esforça em trazer à memória situações traumáticas da infância, em meio a um mar de fantasias e desejos reprimidos. Mas que serviu para que suas pernas voltassem a andar, afastando a paralisia dos membros inferiores. Mais tarde, a paciente revela ao jovem médico que estava mentindo quanto ao fato do pai tê-la assediado sexualmente.

Questionada sobre porque mentiu, Cecily disse que era pra ver a alegria pela qual Freud obteve sucesso na cura da paralisia dos membros. Nesse momento, Freud ainda não tinha postulado o conceito de transferência, pelo que se deparou com o amor transferencial de Cecily primeiramente para com Breuer e num segundo momento à Freud, que representavam ali as figuras do pai.

Nessa etapa, além de estar presente o complexo de Édipo, um desejo de incesto pelo pai, fundamentava-se a teoria topográfica do inconsciente. Seria escandaloso para Cecily assumir que ela é quem desejava deitar-se com o pai, ou seja, ter uma relação incestuosa com quem ela considerava seu amante.

Daí, de uma simples verbalização dos fatos traumáticos, Freud se dá conta de uma ressignificação dos significados atribuídos ao trauma, quando lhe vêm o insight das associações ao contrário.

"[...]quando então Freud deu-se conta de que a teoria do trauma era insuficiente para explicar tudo, e que os relatos das suas pacientes histéricas não traduziam a verdade factual, mas sim que eles estavam contaminados com as fantasias inconscientes que provinham de seus desejos proibidos e ocultos."(5)

Carl é um outro paciente que se submete à investigação e tratamento pelo método catártico: o caso do filho do general. Ali também estão presentes a questão da sexualidade, das pulsões sexuais e do desejo, suplantado pelo complexo de Édipo (tragédia de Sófocles utilizada por Freud pra explicar e postular os desejos sexuais incestuosos recalcados). Carl, que tinha orgulho de seu pai, do general respeitado que era, sem saber a exata razão tentou matá-lo, movido por uma repulsa inconsciente. Durante o transe hipnótico, Carl se aproxima do manequim que sustentava a farda do pai, remove-a, e beija o manequim como se fosse sua mãe. Freud assusta-se com o que vê, visto que nessa época era censurado pelo mesmo senso moralizante que construiu a sociedade por séculos, ou, como irá postular doravante,

o superego é formado por resíduos sonoros durante toda a vida.

Mais tarde, Freud vem a se culpar com a notícia do suicídio do jovem por não ter dado continuidade ao tratamento. Em certa situação Freud tem um sonho com o jovem Carl, onde ambos escalam uma montanha, amarrados pelas pontas de uma corda – técnica utilizada por alpinistas experientes. No topo da montanha entram numa caverna, e no fundo da caverna está assentada sobre um trono a mãe de Freud. O jovem Carl se aproxima da mãe de Freud, desenrola uma serpente (6) de seus braços e a beija; Nisto, Freud puxa Carl para longe de sua mãe, sendo que o rapaz desequilibra-se e cai no penhasco; Arrastado pela corda e pelo peso do rapaz até a beira do penhasco, Freud ainda tenta cortar a corda, mas é puxado para baixo, na escuridão e no emaranhado de hipóteses, simbologias, postulações, e, finalmente para a teoria do complexo de Édipo, da qual não pôde salvar-se.

No entanto, ainda faltava uma peça para fechar o diagnóstico da neurose e do recalcamento das fontes de prazer da infância. As memórias reconstruídas com a ajuda de sua mãe, apontaram que, na ocasião de uma viagem, o pai de Freud retira sua esposa de perto do menino para outro quarto, a fim de deitar-se com ela, causando na primeira infância o registro inconsciente de repulsa pelo pai. Freud jamais conseguia se aproximar do túmulo de seu pai, impedido pelas pulsões do inconsciente que causavam-lhe repentino desmaio. Com a junção dos elementos dos casos de Cecily, Carl e de seu próprio,

Freud fecha a teoria de como o sonho e as reminiscências fantasiosas podem aflorar à consciência de modo invertido, contrárias à realidade, visto que a realidade provocaria no sujeito um desprazer insuportável,

desse modo, o recalcamento age para manter no inconsciente as representações ligadas às pulsões, cujas realizações seriam fontes de prazer, mas quando escapam para o consciente manifestam-se de maneira oposta à realidade. 

 

NOTAS


1 Wikipédia: Freud Além da Alma (1962).

3 (ZIMERMAN, 2007)

4 Representa a primeira paciente submetida ao estudo do inconsciente, Ana O.

5 (ZIMERMAN, 2007, p. 24)

6 A serpente viva, simbolizada por fragmentos oníricos, representava uma pulseira em formato de cobra pertencente à mãe de Freud que lhe entregou para acalentar o choro do pequeno Freud na ocasião de uma viagem.   


 

REFERÊNCIAS


ZIMERMAN, David E. Fundamentos psicanalíticos [recurso eletrônico] : teoria, técnica e clínica : uma abordagem didática / David E. Zimerman. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2007.

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