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Neurose, Psicose e Perversão: Estruturas Clínicas e Mecanismos de Defesa

Foto do escritor: Heron RosaHeron Rosa

A ciência psicanalítica se desenvolve a partir da subjetividade de um Eu. Assim, é fundante dizer que essa subjetividade existe porque desde a tenra idade o sujeito necessita constituir-se psiquicamente, necessita criar uma significação a sua existência. Precisa dar algum sentido para esse corpo que agora vê e sente, e inscreve as primeiras inscrições nesse vazio existente, dentro das dicotomias da linguagem, visto que é pela palavra que se passa a existir numa sociedade humana que é “dominada pelo primado da linguagem” (Lacan Apud Cetep, 20??); pelo desejo e pela palavra. É como se o Eu incipiente dissesse para si mesmo: Alguma coisa eu preciso ser, mais do que esse vazio nesses fragmentos moles de carne. Preciso ser algo mais do que alguma coisa ainda não formada. Preciso restabelecer a conexão com a coisa [das Ding] que deu início, total satisfação e se perdeu.

Então a linguagem que é atravessada àquele sujeito, por resíduos sonoros e mnemônicos, intra ou extra-uterinos, que preenche o inconsciente do indivíduo ainda informe, vai se comportando como um sistema de códigos abertos, mas quando chega num determinado tempo da infância há a predominância de um significante particular: o Nome-do-Pai.

No contexto edipiano, esses complexos [complexo de Édipo e de castração simbólica] vão se estruturando, se amarrando, se enodando no campo da fala, da palavra e da rede de significantes de uma linguagem inconsciente. (CHAVES, 2018, adição nossa)

Nessa esteira, o sujeito estrutura o psiquismo, podendo ser uma neurose, psicose ou perversão, pois a própria estruturação já é um mecanismo de defesa para o não-ser, para a falta-a-ser:

Qualquer tipo de estruturação do sujeito é uma estruturação de defesa, no sentido freudiano, no sentido em que Freud fala de psiconeurose de defesa. É uma estruturação de defesa na medida em que se subjetivar, existir como sujeito – barrado pela castração, como na neurose, ou não, como na psicose –, obter algum estatuto simbólico e alguma significação, é necessário que o sujeito seja algo distinto do Real do seu corpo, algo Outro e mais do que alguns quilos de carne. Por isso, o sujeito se estrutura em uma operação de defesa. (CALLIGARIS Apud CHAVES, 2018) 

Desse modo, a partir de operações, do campo do simbólico, do Real e do Imaginário, e a partir das operações do campo do inconsciente (linguagem simbólica) e do campo das pulsões, é constituído -  erguido no sujeito uma estrutura de defesa, podendo ser uma estrutura neurótica, psicótica ou perversa.

O campo do simbólico se enodando com o campo do imaginário, constrói alguns pilares na subjetividade do Eu, como é o caso do Estádio do Espelho. Um momento estrutural na fase infantil onde a criança se vê a partir da sua imagem projetada, construindo informações a respeito do seu próprio corpo. O que antes era sentido como um corpo fragmentado, agora é conhecido como um corpo com unidade e coerência. É conhecido agora não apenas como um subjetivo de sentidos e de partes (imaginário), mas pertencente a um organismo integral semovente, que fala, vê e sente, situado em uma base material imóvel (significante/simbólico). Descobre-se a espacialidade e o equilíbrio desse Eu-corpo, e certifica-se quanto ao olhar do Outro, quanto ao que o Outro disse o que eu sou (significante/simbólico). Internaliza-se a imagem do par parental sobre o Eu, e passa a ver-se como os pais o enxergam (Cetep, 20??). 

Cada estrutura clínica psicanalítica é o resultado de múltiplas vivências complexas e paradoxais de cada criança com o seu par parental (mãe e pai), a partir da Bejahung, ou seja, da inscrição primeira do Nome-do-Pai (ou da falta dessa inscrição), de sua presença ou ausência, com as consequências nos apontando três diferentes versões desse significante paterno: a versão que engendra as neuroses, a versão que engendra as perversões e a versão que engendra as psicoses. (CHAVES, 2018)

Evoluindo um pouco mais, o sujeito infantil, na fase fálica, se depara com uma outra armadilha na subjetivação do Eu, a relação com o par parental que atravessa essa criança. Freud apresentou essa complexidade a partir da tragédia grega, escrita por Sófocles, Édipo Rei, estendendo o conto como metáfora simbólica para a construção do comportamento do indivíduo sujeito. O falo simbólico é desejado pela mãe, supondo que o homem (o pai) tenha posse do falo como objeto de poder (representação do pênis). Então esse pai tem uma função simbólica na formação do Eu de um sujeito. O pai dá seu nome, encarna a Lei, é a própria Lei.  A mãe apresenta essa Lei ao filho (sujeito). A Lei simbólica imposta é a possibilidade de castração, a proibição do incesto e do parricídio, ou seja, a defesa da continuidade do pai como todo desejante e poderoso. 

A partir desta explicação introdutória, podemos avançar para a compreensão dos mecanismos de defesa utilizados por essas estruturas para fincar a sua permanência na rede de significantes que atravessa o humano e o social.

Neurose

Um homem de meia idade vestindo camisa xadrez com as mãos erguidas

Começamos por desenhar o mecanismo de defesa das neuroses.  Nas neuroses o significante Nome-do-Pai é inscrito no sujeito e recalcado. O recalque é o mecanismo de defesa. A mãe do sujeito, castrada, inscreve esse significante Nome-do-Pai, a partir das vivências da própria castração. E a criança passa então a ser o falo da mãe. Na dinâmica Edipiana, há processos de angústia (menino) e de sofrimento (menina), passa-se então a abandonar a idéia de ser o falo imaginário da mãe para a ideia de “ter o falo” simbólico do pai, num processo de identificação, submetendo-se a lei do pai, inscrevendo o Nome-do-Pai. O processo de angústia de castração dos meninos e de sofrimento por não ter o falo é recalcado, voltando por meio de outros afetos na adolescência e na vida adulta. Agora construiu-se no sujeito recalcado uma dívida com o Nome-do-Pai. O neurótico erra e sente-se culpado, visto que essa dívida permanece inconsciente.

Psicose

Na Psicose o processo é um pouco diferente. O sujeito na fase edípica não aceita o Nome-do-Pai, ocorrendo então a foraclusão ou rejeição dessa lei simbólica. Não inscreve no inconsciente o Nome-do-Pai –muito por ocasião de falha da mãe nesse processo em desejar que o filho continue sendo o falo dela –, logo, não há dívida quanto aos processos de “ser o falo da mãe” ou de desejar “ter o falo” do pai. Não internaliza nem recalca a lei imposta.


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O sentimento de onipotência é maior. Não sofre angústia de castração (menino), nem sofre por ser castrada (menina), visto que não tem entrada de um terceiro na relação edípica, mantendo-se apenas a díade mãe-criança. Se não há lei inscrita, o superego não consegue delimitar-se completamente, deixando o sujeito a ermo no processo civilizacional (construído por leis). O mecanismo de defesa nas psicoses, portanto, é a foraclusão, manifestando-se mais tarde sob formas alucinatórias e fantasiosas no contexto real do sujeito. 

Perversão

A perversão é uma outra estrutura que pode se formar no processo triangular do Édipo. O sujeito infante, sendo objeto de desejo da mãe, goza por ser esse objeto. Na medida que descobre que ele não é o único objeto de desejo da mãe, visto que a mãe apresenta o Nome-do-Pai para a criança, essa criança não aceita a Lei simbólica (castração) e compete com o pai o desejo de ser o objeto de desejo da mãe. Nesse processo, a criança não consegue ascender ao seu desejo de ser o único objeto, então nega conscientemente o terceiro da triangulação imposta pela mãe. O mecanismo de defesa do perverso é a negação. O perverso, mais tarde, fixa-se nas fases pré-genitais, e manifesta os impulsos sexuais de forma polimórfica com inúmeros prazeres. Ele goza explicitamente, visto que não recalcou no inconsciente, e portanto não há barreira a ser transposta das pulsões sexuais pré-genitais. Não há formação de sintomas uma vez que no modelo econômico das formações intra-psiquícas a energia encontra caminho livre para a descarga. Dessa maneira, o perverso goza de forma total e para além da sexualidade construída na fase genital. A fixação no narcisismo primário é total e o gozo é a destruição da lei imposta, sem culpa, para assumir o lugar da lei.


 

REFERÊNCIAS

CETEP. Estruturas Clínica. 20??, pp. 01-63. Apresentação de slides.

CHAVES, Messias Eustáquio. “Estruturas clínicas em psicanálise: um recorte.” Reverso, vol. 76, 2018, pp. 55-62.

ZIMERMAN, David E. Fundamentos psicanalíticos [recurso eletrônico] : teoria, técnica e clínica : uma abordagem didática / David E. Zimerman. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2007.




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